01
Nov 12
Quando vejo no lugar da fruta da minha rua as senhoras de idade que deitam contas aos cêntimos – aos cêntimos, não é aos euros! – antes de se atreverem a comprar duas peras pequenas, tenho por elas respeito e pena. Mereciam melhor.
Quando vejo debaixo das árvores do jardim do bairro os reformados setentões que gastam numa bisca sem fim os dias que lhes faltam porque essa bisca é o único divertimento que a curta pensão de reforma lhes consente, tenho por eles respeito e desgosto. Mereciam mais.
Na fila da caixa do supermercado a mãe de meia-idade à minha frente devolve uns chocolates baratos: na hora de pagar as contas não bateram certas. As crianças que iam comer aqueles chocolates mereciam um mimo que não tiveram.
Por todos estes que vivem uma crise que não provocaram só posso ter respeito e pena: não foram eles que pediram emprestado o dinheiro quer Portugal agora não consegue pagar.
Mas não são eles que eu vejo diante de São Bento a mostrarem as mamas e o rabo: são os trintões armados de ipods e de smartphones pagos pelos paizinhos burgueses que votam PS. São os “estudantes” de trinta e muitos anos, munidos de diplomas sem valor, comprados a tantos euros a valência, que aplaudiram o “país rico e moderno” construído pelo guterrismo e pelo socratismo, o país que nos arruinou: o país das auto-estradas a dobrar, dos aeroportos sem aviões, dos magalhães ao quilo, das PPS’s para os amigos do PS, das negociatas que dão direito a exílios dourados em Paris. São os “jovens” do rock-in rio e do super bock super rock, que não faltam a um concerto da Madona e vivem em casa e à custa da geração à rasca: a dos pais deles.
São a geração que não faz nada e exige tudo. Que acha que tem direito aos impostos de quem se esforça e trabalha mas não quer dar nada em troca. Que protesta porque não tem emprego mas se recusa a trabalhar com as mãos: gestor para mim, ferramenta ou balcão para os imigrantes.
Crise? Sim, crise para quem já vivia numa crise. Crise para a senhora das peras, para os reformados de 300€ ao mês, para a dona de casa que conta os cêntimos na caixa do Lidl.
Mas não me venham com a crise dos outros: dos que querem tudo sem ter direito a nada. Dos artistas falhados que querem o subsídiozinho para a sandes no Gambrinus, dos estivadores com salários de mais de 4000€/mês, dos indignados que vivem à custa dos pais porque se furtam a trabalhar, escondidos atrás de um diploma sem valor.
Crise foram os tempos dos anos ’80. Esses foram realmente tempos difíceis. Para quem teve de emigrar à força e para quem cá ficou depois da loucura comunista-gonçalvista do PREC que destruiu para largos anos a economia da País. Foi preciso o FMI deitar-nos a mão para se conseguir sair do buraco financeiro e do marasmo económico. A inflação chegou aos vinte e tal por cento, o escudo desvalorizava todas as semanas e os super mercados tinham as prateleiras vazias. Faltava quase tudo. Tempos difíceis esses anos oitenta…
Dizem agora que a austeridade dói. Bem… Pode ser que sim, mas a austeridade forçada dos anos oitenta, que o Sr. Soares agora tão convenientemente esquece, era pior: a desvalorização do escudo cortava os salários e a inflação encolhia-os. A palavra austeridade era desconhecida, mas ela ia-te ao bolso todos os dias: cada vez ganhavas menos.
Mal comparado aqueles tempos, para quem emigrou e para quem cá ficou, foram tempos bem mais difíceis que os de agora. A geração que os viveu, essa sim, estava à rasca. Mas esforçou-se, sofreu e esperou por um tempo melhor. Depois, não quis que os seus filhos passassem pelo mesmo e tentou dar-lhes tudo o que podia: universidade e dinheiro. Fez mal: a “universidade” era uma burla e o dinheiro fácil deu-lhes maus hábitos.
E agora estão outra vez à rasca porque esses filhos, em vez de enfrentarem as dificuldades e se esforçarem para sair delas, continuam a pedir aos pais o pão e o ipod de cada dia e exigem do Estado o que não existe, exibindo a anatomia nas escadarias de São Bento. Geração à rasca? Esta? Não. Geração de calimeros preguiçosos…
publicado por malcomparado às 15:15

24
Jul 12
No verão de 1975, empurrados pelo PCP através da correia de transmissão das comissões de trabalhadores, saíram de Portugal cerca de quarenta mil quadros superiores e médios. De todos os sectores: do primário (graças à euforia revolucionária da reforma agrária que tantos progressos trouxe à agricultura nacional); do secundário (pelo saneamento selvagem dos técnicos, deixando nas mãos milagrosas dos operários o planeamento e a correspondente falência das empresas); e do terciário (pela nacionalização da Banca, promovendo os caixas a directores e os sindicalistas a administradores, com os fulgurantes resultados que proporcionaram, alguns anos mais tarde, a visita turística do FMI).
Levando as famílias consigo, para o Brasil, para Espanha, para Inglaterra, para onde puderam, foram mais ou menos cento e sessenta mil (160.000!) pessoas, do melhor que havia em termos de competência e preparação, que abandonaram o País. A essa geração ninguém sugeriu que emigrasse: o PCP forçou-a a emigrar. Segundo Cunhal esses fascistas, lacaios do capitalismo, não faziam cá falta nenhuma.
Foram saindo, preocupados, receosos, mas conscientes de que eram capazes de ganhar a vida em qualquer lado – ao contrário dos pc’s que os tinham expulsado e que na grande maioria não eram capazes de ganhar a vida em parte nenhuma sem a muleta do paizinho Estado… Mas também com algum alívio: já não teriam que aturar as ladainhas esquizofrénicas do camarada Vasco…
Partir para um país estrangeiro, com a família a reboque, uma mão à frente e outra atrás, para recomeçar praticamente do zero, com trinta e muitos anos, com quarenta, uma carreira profissional, sem o apoio dos pais e dos avós que cá ficavam, sem as ligações de profissão e de curso, sem relações pessoais, não era fácil. Passar do andar de cinco ou seis assoalhadas nas Avenidas Novas ou em Belém (e não estou a falar do pessoal de topo…), com criada interna, para um T2 nos arredores de Madrid ou de São Paulo, sem ajudas domésticas, doía. Para as crianças então, tudo era drama: novas escolas, colegas que falavam outra língua, a perda dos amigos, a ausência dos avós e dos tios…
Mas era preciso. E essa gente enfrentou a vida, recomeçou carreiras, trabalhou – e na grande maioria voltou para Portugal quinze, vinte anos mais tarde, com vidas profissionais cheias, com estabilidade económica, com a prole bem-criada. E com mais competências e maiores capacidades do que quando saíra. Com os filhos a frequentar boas Universidades, falando línguas, cultivados pela vivência doutros mundos.
Consta-me agora que há por aí uma geração que anda à rasca mas que considera que emigrar para encontrar melhores condições de vida é uma tragédia e que a sugestão para que o faça é um insulto. E tem medo. E protesta. E quer que o Estado (ou seja, o dinheiro dos impostos dos que ainda trabalham) tome conta das suas importantes pessoas e lhe ofereça, aqui, empregos. Empregos. Não é trabalho: empregos! Empregos garantidos, estáveis, bem remunerados. Ao pé de casa. No Estado. Pouco cansativos.
Mal comparado, acho que esta geração tão exigente (com os outros e tão pouco consigo) precisa dum camarada vasco qualquer que a empurre daqui para fora. Para ver se esta gente é capaz de enfrentar a vida. À séria. Como os empurrados de há trinta e tal anos… Ou serão estes enrascados apenas a descendência genética e ideológica dos pc’s de 1975 – dos tais que já nessa altura nem eram capazes de ganhar a vida nem deixavam os outros ganhá-la??
publicado por malcomparado às 10:46

01
Jul 12
Dei por mim a olhar para o nome de Portugal, na publicidade de uma Agência, como um destino de Turismo...Achei que havia ali uma ironia involuntária. Para nós, que aqui nascemos, Portugal não é um destino. Portugal é o nosso Destino.
Ao nascermos aqui fomos condenados (ou eleitos?) para uma certa forma de vida. Podia ser pior: no meu caso, se tivesse nascido quando nasci mas em qualquer lugar ao Norte dos Pirinéus, teria tido uma infância de guerra, um pai ausente, morto, prisioneiro ou simplesmente destruído, uma adolescência triste. Se tivesse nascido aqui ao lado, tinha apanhado em cheio com uma guerra civil ainda bebé. Visto assim, acho que tive sorte. E não devemos esquecer que se o acaso geográfico nos atirasse a todos para uns 500 km ao Sul, andávamos a vender tapetes no souk de Rabat...Não me parece que fosse grande coisa.
Mas foi aqui: 600 km de alto e 160 de largo, metade montanha, metade planície, 800 e muitos anos de história e uma língua latina, sibilante e difícil a que Gil Vicente e Camões vão dar forma definitiva. Um povo que a teimosia de um Rei tornou independente e que encontrou no Mar a razão e a força dessa independência. Quando a Reconquista acabou e o Rei o foi de Portugal e dos Algarves, éramos fracos demais para incomodar Castela mas suficientemente fortes para não sermos incomodados. Aljubarrota encerra a discussão.
A partir daí, sem poder crescer para terra decidimos crescer para o mar. Navegámos e achámos. Durante um século e meio, do princípio dos 400 ao fim dos 500, desenhámos o mapa do mundo com a proa das naus e das caravelas. Comprámos e vendemos, enganámos e fomos enganados, matámos e morremos.
Dizem agora para aí que a história dos Descobrimentos é feita de violência. Claro que é. No século XVI nem aqui, nem em nenhum lugar, havia espaço para o politicamente correcto: entrava-se nas naus da Índia ou da América para se voltar rico e o modo como se enriquecia era do foro privado de cada um. Partiam dez, voltava um. Era preciso coragem para partir e as discussões ideológicas não se passavam na televisão: quem não estivesse de acordo com os procedimentos em voga podia de repente ver-se na frente da espada de fino aço e de mais da marca de um Senhor com mau génio.
E foi assim que durante esse século e meio Portugal enriqueceu com o comércio das Índias – e gastou tudo alegremente até ao último tostão! Em tecidos finos da Flandres e armas cinzeladas de Itália para os Senhores, em arreios alemães de couro negro revestidos de prata para os cavalos, na embaixada ao Papa para comprar o perdão dos pecados – e no que mais era necessário para o Reino se manter, porque a Índia e a guerra levavam os homens e não havia quem cultivasse os campos. Quando acontece Alcácer Quibir o País está arruinado e sem gente: os tércios de Filipe II de Espanha já não encontram ninguém que lhes faça frente. Portugal morre em 1580 – e Os Lusíadas são um epitáfio.
Em 1640, com a ajuda de Richelieu que procura uma segunda frente na Campanha da Catalunha contra Filipe IV, Portugal recupera a independência política. A identidade nacional resiste, mas por oposição à identidade castelhana, não por afirmação de uma vocação própria. Portugal não tem nada para fazer. Minado intelectualmente pelo fundamentalismo religioso da Inquisição, só o safanão vigoroso de Sebastião José o vai arrancar durante 30 anos da letargia económica e da preguiça intelectual. É pouco – e quando D. José I morre, o primeiro cuidado de Dona Maria é exilar o Marquês e voltar apressadamente ao doce abandono dos lausperenes e das procissões. A partir daí, ignorando o iluminismo setecentista, sem revolução técnica e industrial, Portugal dorme a sesta dos preguiçosos e só acorda para acabar de se suicidar numa guerra civil que o deixa na miséria – mais ainda do que estava, porque além de não ter um real de seu, tem dívidas que nunca mais acabam.
Depois de tudo isto, acham que eu não amo o meu País? Pelo contrário. Pelo sangue e pela língua, pelos meus avós que navegaram nos seus barcos e morreram nas suas boas ou más guerras, pelas Serras do Norte e as lonjuras do Sul, pelo mar do Algarve onde cresceu meu pai, pelas músicas que hoje ninguém canta, pela falta que dele senti quando vivi fora dele, Portugal é a minha Pátria. Quereria que todos a amassem como eu a amo.
Mas é difícil: é difícil amar o que não se conhece e hoje parece haver um esforço deliberado para esconder Portugal dos portugueses. Não se lhes ensina em pequenos os nomes dos sítios onde os seus avós se bateram, nem dos Reis por quem morreram. Nem dos Rios que por ele correm, nem das Serras que o cortam, nem das batalhas que se ganharam ou perderam, nem dos Homens que as fizeram.
A língua é mal aprendida, a música é estrangeira, esconde-se a bandeira e evita-se o hino. Dizem que é para evitar nacionalismos mal vistos. Com tanto cuidado em evitar o nacionalismo, estamos em vias de deixar de ser Nação. Cantamos em inglês, compramos espanhol e pedinchamos em alemão. Um destes dias vamos começar a pensar que tanto faz ter uma bandeira nossa, mesmo verde e encarnada, como outra qualquer, azul com estrelinhas. Os espanhóis nisso são mais cuidadosos. E com tanto governar politicamente correcto, se a bandeira não for azul com estrelas ainda vai ser de sangre y oro e acabamos por chegar ao grande desígnio de D. João II – um único reino na Península. Só que o Rei não será português. Espero já cá não estar para ver.
publicado por malcomparado às 17:57
tags:

30
Jun 12
Primeiro a Republica tirou-me a bandeira. Apagou o azul e branco que nos servia de guia desde o Rei Afonso para nos cobrir com cores de arraial. Columbano e Botelho tiveram de se adaptar ao gosto refinado dos taberneiros e capelistas da Baixa, grandes ornamentadores dos becos e ruelas com balões de Santo António, e dos sargentos da Carbonária, mais versados nas combinações dos tintos que nas de cores. Olhando para as propostas que por aí circularam desde o 5 de Outubro até à decisão final em Junho de 1911, até podia ter sido muito pior...
Mas o fundamental era dar a Portugal as cores de um Partido - o Republicano.Com o abandono de azul e branco e a adopção das cores do PRP Portugal deixou de ter uma bandeira Nacional para passar a ter, até hoje, uma bandeira político-partidária.
Bem sei que as Armas do Rei foram durante muitos séculos a Bandeira do Reino e que desde a Cruz azul em campo de prata do primeiro Afonso até à bipartida azul e branca de Dona Maria II houve muitas bandeiras, primeiro como armorial do Rei, depois como identificação da Nação. Mas em todas essas bandeiras nunca houve verde e o encarnado aparecia sempre como elemento secundário. Foi preciso a Republica e a sua arrogância partidária para apagar oito séculos de simbolismo.
E se hoje eu respeito (mas não aceito) essa bandeira política que, por ser política, não pode ser nacional é porque as suas cores estão agora tingidas pelo sangue dos soldados caídos nas trincheiras da Flandres e nas picadas de África, mortos debaixo da sua sombra e enterrados com ela.
Depois veio a Democracia. Curiosamente o “governo do povo” serviu para afastar o povo da sua Pátria – com perdão da má palavra... O ensino da História transformou-se num discurso politicamente correcto: em certas versões os portugueses até foram muito maus porque andaram pelo mundo fora a desinquietar, lá pelas Áfricas e pelas Ásias, gentes que estavam muito sossegadas, lá nas suas vidas, e que nós fomos incomodar. Devíamos ter estado quietos e deixado esse desbravar das estradas do mar e do mundo para outras gentes, sei lá, vindo de onde vêem essas ideias, se calhar para russos e chineses… O que é facto é que esse ocultar da História foi diminuindo, escondendo e apoucando a noção de Pátria – com perdão da má palavra… E, depois de a Republica me ter roubado a Bandeira, a Democracia, a pouco e pouco, tem-me roubado a Pátria.
Não é possível amar o que não se conhece e, ao longo destes últimos 30 anos, o regime que felizmente nos governa tem cuidadosamente escondido Portugal, a sua geografia, a sua História e os seus Heróis, dos portugueses – para que eles não o amem.
Desta morte induzida, a Pátria (com perdão da má palavra…) ressuscita de dois em dois anos nas botas do Ronaldo e seus parceiros: e é nos estádios que se canta (mal) um hino que já ninguém aprende e se exibe, como cachecol, a bandeira que, desfraldada à janela de casa, envergonha. Isto não tem nada que ver com o futebol – tem que ver com o seu aproveitamento político para os piores fins: pôr um cachecol ao pescoço não é o mesmo que vestir uma farda de soldado.
Estes últimos cem anos primeiro tiraram a bandeira da Nação e puseram lá a de um Partido; depois apagaram a própria ideia de sermos uma Nação; e finalmente reduziram a Pátria aos golos da selecção!
Há quem diga que tudo isto foi de propósito… Se calhar foi…
publicado por malcomparado às 20:48

22
Jun 12
Com a omnipresença do Euro o futebol entra no nosso quotidiano pelas mais inesperadas portas. Não fujo dele, antes pelo contrário: tenho visto um jogo por dia, às vezes mais um bocado de outro. O que não tenho visto – e recuso-me a ver – são os debates, as reflexões, as previsões e as autópsias dos jogos, feitas em futebolês, com cuidado e saber, pelos mais variados sábios, tantos os encartados que disso fazem vida como os auto didactas curiosos que, por terem alguma notoriedade noutras habilidades, políticas (?) ou artísticas (!) são chamados a debitar lugares comuns sobre um jogo de que só têm um conhecimento de amador. Mas enfim, de médico e louco todos temos um pouco… Suponho que de treinador de sofá também…
O futebol entrou na minha vida pela porta da infância e pela mão de um pai que chegou a ser aquilo que nos anos ’30 do século XX era o mais aproximado de futebolista profissional. Meu pai foi, entre 1927 e 1929, a estrela da equipa do Ayamonte Fútbol Clube, na outra margem do Guadiana e em frente da terra onde nasceu e onde começou a brilhar (enfim, com brilho de província…) no Lusitano Futebol Clube (cuja carreira sigo sempre com interesse e que este ano subiu das Distritais para a 3ª… Uma façanha!).
Nesses dois anos, além de um namoro andaluz, não teve mais ocupação do que jogar à bola e era pago para isso e disso vivia. Instalado no WM da época era o que então se chamava um “half” – ou seja um médio batalhador entalado entre os três defesas e os cinco avançados. A ida para a tropa com a incorporação no Trem Auto, em Lisboa, interrompeu definitivamente a carreira internacional mas lançou-o para o Campo das Salésias e para o Belenenses – do qual foi a partir daí e até à sua morte, aos 101 anos, um adepto entusiasta. Sem esquecer uma antiga simpatia pelo Benfica… Durante mais de três anos foi a alternativa para a dupla internacional César de Matos e Augusto Silva, jogando o campeonato das reservas. Quando se convenceu que não era com a bola que ia ganhar o suficiente para fazer da namorada (não a andaluza mas sim a alentejana que foi a minha mãe) a mulher legítima trocou o Belenenses pelo Batalhão de Sapadores Bombeiros. Onde continuou a jogar, nos Campeonatos da FNAT, até perto dos 40 anos.
Com este pai o futebol tinha de fazer parte do meu ADN. Fui muitas vezes, criança e pela sua mão, aos jogos do Belenenses, nas Salésias. Quando aí pontificavam as Torres de Belém: Capela, Vasco, Feliciano e Serafim, uma defesa de peso e de estatura. Foi aí (sabe Deus porquê…) que me nasceu o amor pelo Glorioso – que na época era simplesmente o Benfica. Nos tempos do Albino e do Gaspar Pinto, do Julinho e depois do Espírito Santo e do Pipi Rogério.
Como jogador o ADN traiu-me: dava para fazer uma perninha com os amigos mas nunca joguei nada de jeito. À baliza, vá lá… Mas com os pés, só cá atrás e mais em força que habilidade.
Mas ficou a atracção pelo jogo, a paixão por uma coisa que não era capaz de fazer mas que me encantava. Rejubilei quando topei com a definição de futebol pela pena de Albert Camus: era “a inteligência em movimento”. Depois, ao longo da adolescência e da juventude, segui, interessei-me, analisei, quis perceber a evolução do jogo. Da táctica, do WM para a diagonal de Otto Glória, depois para o 4-2-4, depois para todas as variantes que andam por aí.
Quando fui a Madrid pela primeira vez na minha vida, com um grande amigo que já cá não está, no fim do ano de 1959, o grande acontecimento do dia era a entrada de Fidel em Havana. O nosso foi ir a Chamartín (ainda não Bernabéu) ver jogar Kopa, Didi, Di Stéfano, Puskas e Gento. Gastámos uma percentagem considerável das poucas pesetas que tínhamos mas valeu a pena. Em Setembro de 1962 casei uma primeira vez. Em plena lua-de-mel, deixei a noiva em Vila Nova de Mil Fontes para ir à Luz ver o Santos de Pelé e Coutinho dar um banho de 5 a 2 ao meu Benfica. Não sei se foi por causa disso mas o casamento só durou um ano…
Hoje só vejo futebol na TV. Não tenho paciência para claques, grosserias e ordinarices. Sofro em casa com o Glorioso e disfruto em casa os jogos da Premier. Com outro grande amigo que não deixa passar em claro o mais pequeno erro de apreciação: o Arsenal é muito da nossa estima e quando, há dias, me zanguei com o Van Persie porque não tinha ido à linha de fundo da ala direita centrar uma bola ganha ao defesa levei uma descompostura: “Manel tu estás a dormir ou a ver o jogo? Para que é que ele ia à linha se não tem pé direito?”. Isto só se consegue ao fim de muito jogo…
publicado por malcomparado às 00:38

11
Jun 12

E eu a pensar que escrevia só para mim!

Pelos vistos tenho de ter mais cuidado com a pontuação...

publicado por malcomparado às 15:48

08
Jun 12

Juntamo-nos uma vez por mês. À quarta-feira mais a meio do mês, à volta da mesa do almoço. Sempre no mesmo sítio, à uma hora, para o mesmo ritual da posta mirandesa regada a branco ou tinto conforme os gostos e as dispepsias. Primeiro uns ovos mexidos com farinheira mas em quantidades homeopáticas. Só para afinar o apetite e esvaziar o primeiro copo. Depois as postas (meias postas, que os anos não perdoam…), tenras, mal ou meio passadas, encharcadas de molho de alhos e coentros em azeite alentejano. Batatas fritas à antiga, em grossos palitos dourados, quentes ainda da frigideira. Com mais uns copos para ajudar à digestão. Depois o arroz doce. E por fim os cafés e (para alguns apenas) o balão de Logan. Às três estamos governados e marca-se a data da próxima quarta feira, para o mês que vem. E vai cada um à sua vida que já não é de trabalho mas mais de netos e de coisas domésticas.

Somos oito. Oito que a vida juntou há muitos anos, na turma do Pedro Nunes ou, para dois de nós, vindos do Camões e do Passos Manuel, nas aulas do Técnico. Temos para trás 60 ou mais anos de amizade que as ausências e separações ao longo da vida nunca atenuaram. Sabemos que podemos contar uns com os outros e que essa é uma das muito poucas coisas com que podemos contar. Cada um foi o que foi: professor catedrático, membro do Governo, grande empresário, alto funcionário, gestor de multinacionais. Todos tivemos em algum momento a ilusão de poder ajudar a melhorar o País. Todos olhamos hoje para trás com a sensação de não ter chegado lá.

Temos origens com grande pluralidade inter social: aristocracia, grande e média burguesia, classe média e, na pele deste vosso servidor, sub proletariado. As nossas mães por um lado e, por outro, o Liceu e os seus professores (recordo Rómulo de Carvalho e Jaime Leote mas não só esses) moldaram nesses diferentes barros os traços de uma geração responsável, com valores bem definidos: Trabalho, apego ao seu País, Respeito pelos outros. Ninguém aqui almoça com dinheiro das off shores…

Para a conversa temos uma regra: é a de não se falar das nossas particulares patologias. Quando no primeiro almoço (já lá vão uns anos) o (mau) estado das próstatas em presença ameaçou tornar-se assunto recorrente decidiu-se fechar de vez a porta a queixumes e a relatórios de deficiências várias. Admite-se o interesse pela saúde de um membro ocasionalmente ausente e por aí nos ficamos.

Quanto ao resto, tudo é possível: a política sempre (temperada por muito cepticismo), mas também o futebol (mas só dentro das quatro linhas para não nos sujarmos), os touros (para os dois castiços), a música (para os dois melómanos) e para todos nós recordações avulso do que foi e do que fomos. E a melancolia de não termos feito mais com a certeza que cada um de nós fez o melhor que sabia em cada instante em que isso foi possível.

Somos oito septuagenários que se orgulham de terem sido o que foram e de terem sido sérios para consigo mesmos, para com aqueles que de nós dependiam e para com a terra que nos viu nascer. Queremos às vezes acreditar que outros septuagenários tomarão um dia os nossos lugares naquela mesa com a mesma consciência tranquila e o mesmo apetite pelas (meias) postas mirandesas…Esperemos que sim: seria bom sinal… 

publicado por malcomparado às 22:15
tags:

04
Jun 12

O futebol acabou, o Euro não começou e neste domingo à noite eu sem nada que fazer acabei p'ra me entreter de aqui à Net vir ter para acabar o serão vou dar uma opinião sobre o que é que há-de ser o que é que me convém outra escolha já não tem quero o professor Marcelo que ainda agora falou e que aos domingos seriamente explica em tom decente tudo o que há p'ra explicar desde o Relvas ao Coelho passando pelo Seguro e com escala no Durão aclara a confusão deixa tudo explicado e com palavras tão fáceis p'ra toda a gente entender o que ao longo da semana não deu para perceber com ele tudo é claro ele é muito convincente e se não houver cuidado acaba por toda a gente estar de acordo porque o jeito é explicar a preceito fazendo a gente supor que o que ele ali nos dizia já a gente bem sabia e que ele só confirmou duma forma mais clara opinião que era nossa donde logo se depreende que temos inteligência que é pelo menos igual à do professor Marcelo e o resultado é tão belo que toda a gente o adora e aceita sem discussão ao domingo a prelecção e agora vou acabar estou numa de Saramago ponham os pontos finais onde mais vos agradar vírgulas à descrição e se alguma vos faltar não faz mal porque é moderno muito jovem muito bem e porque a pontuação nunca fez falta a ninguém

publicado por malcomparado às 22:58
tags:

20
Jan 12

Por aqui, no malcomparado, o momento presente, só por si, não é o mais importante. A idade dá-nos distanciamento do dia a dia (pelo menos a mim deu-me… aceito que não aconteça com todos…) e ao longo destes 75 anos já assisti, várias, vezes, ao acontecimento do século. Desde a previsão do fim do mundo (umas cinco ou seis, pelo menos), às crises financeiras (acho que vou para aí na terceira e é desde que me ralo com coisas de dinheiro), duas guerras (uma mundial e outra nacional e passo por cima de coisas menores como a Coreia, o Vietname, as Malvinas, os dois Iraques, os Seis Dias, a crise cubana dos mísseis, o Yom Kipur e por agora não me lembro de mais nenhuma destas coisas bélicas que vão mudar o mundo) e várias revoluções, desde Cuba ao 25 de Abril. Não falando no Sputnik e na chegada à Lua. É tudo importantíssimo na altura e é tudo para esquecer logo a seguir.

Em matéria de tecnologia então é de fugir. Quando eu era miúdo o telefone era um mistério e quando eu era adolescente era uma dificuldade: tivemos telefone em casa já eu tinha vinte anos e depois de para aí dois anos de espera – não havia linhas e eram precisas cunhas para não ir para o fim da bicha. A primeira telefonia entrou lá em casa já eu era crescidote (bem sei que era casa de pobres, mas mesmo assim eu já tinha para aí 11 anos). A minha mãe arrefecia a água, no Verão, em bilhas de barro – o frigorífico só era conhecido pelos anúncios e era inatingível da classe média alta para baixo. Tirei o curso do Técnico a fazer contas pela régua de cálculo – hoje uma peça de museu. E nos meus primeiros anos de trabalho enfrentava a hidrologia (que, segundo a própria definição do prof catedrático, era “a ciência de chegar aos resultados pretendidos a partir de quaisquer dados depois de muitas contas”) com uma Facit manual que me fez calos nos dedos da manivela.

Por isso, quando me dizem, nos jornais e ou à mesa com os amigos, que agora é que é, que estamos numa situação gravíssima, eu encaro sempre a situação com alguma reserva e bastante descrença.

Mas parece mesmo que agora é que é: Portugal está quase a morrer de eurite aguda, complicada por anemia orçamental e tuberculose económica. Agora é que vai ser: Portugal acaba e os portugueses, coitados, ou vão definhar na resignação ou sucumbir na revolta inglória.

Por mim, acho que não. Acho que daqui a cinco ou seis anos vamos estar para aí na conversa de café “É pá, tás-te a lembrar que a coisa esteve preta? Até diziam que a malta ia sair do euro, que não ia haver reformas… É pá! Mas a malta lá se safou. Nem foi preciso acabar com o subsídio de desemprego nem nada. Tás ver a Aurora lá da rua? Já tá outra vez a gamar a malta: anda a trabalhar à comissão nos arrendamentos e outra vez a receber do desemprego. Aquela gaja é que sabe disto…”.

Se o País estivesse mesmo na fossa o pessoal não andava preocupado com as telenovelas da maçonaria, do Pingo Doce, das nomeações para a EDP e outras cortinas de fumo que os jornais vão levantando… Andava era desesperado a roubar as padarias – como no tempo do Sr. Afonso Costa, esse benemérito republicano, que esse sim, conseguiu arruinar o País e meter-nos numa guerra com a qual não tínhamos nada que ver. A Flandres, ao contrário de Angola, nem sequer era nossa…

Ora as padarias estão a salvo – a crise não deve ser grande…

Daqui a cinco ou seis anos a gente fala…

publicado por malcomparado às 17:12
tags:

17
Jan 12

Os meus no 75 chegam em Novembro. Nascido em 1937, de pai sapador bombeiro e mãe camponesa emigrada em Lisboa e reciclada em costureira a dias, vivi a infância e a adolescência no 2º período do Estado Novo. O 1º, para mim é o que vai da sua fundação, no plebiscito da Constituição de 1933, até ao apogeu da Exposição do Mundo Português de 1940, de que tenho a memória vaga e confusa de andar no meio de muita gente ao colo de meu pai.

O 2º período, aquele que me marcou, começa com as memórias da guerra e terminará em 1961, comigo já homem feito e curso acabado, com o começo da guerra de África. Foi esse período, com a vivência que nele tive, em casa, na escola, no liceu e finalmente no IST, que me formou para o resto da vida.

A casa era casa de pobres que se esforçavam por viver um pouco melhor. Como não era da classe média fui poupado aos problemas de consciência que a afligiam, nunca tive essa piedade criadora de remorso político que gerou Cunhal e Soares e, mais tarde, Sampaio e Guterres. Todos eles se sentiram culpados por haver uma classe operária, sofredora e explorada, que criava as mais valias de que eles gozavam. Pertencendo ao mundo do sub proletariado, eu não podia ter pena de mim mesmo e muito menos remorsos de explorador. Os amigos lá de casa não eram burgueses envergonhados nem burgueses politicamente ambiciosos: eram bombeiros, polícias, pedreiros, padeiros, criadas de servir. As conversas não eram sobre liberdades políticas nem opções de classe. Eram sobre o preço das sardinhas e das batatas e a única ambição comum a todos eles era a de viver melhor. Numa casa, mesmo pequena, em vez de um quarto com serventia de cozinha. De comprar uns sapatos novos quando os velhos já não aguentassem mais as meias solas. De vestir os filhos sem ser sempre com a roupa do pai, virada e encurtada. Mas, estranhamente, não me lembro de os ouvir culpar o governo pelas suas carências. Antes pelo contrário, quando comparavam com os anos passados, eles viviam melhor. Sobretudo, eles viviam tranquilos. Comentava-se às vezes a desordem “do tempo da Republica” e agora era melhor: podia-se andar na rua sem medo dos tiros, havia trabalho, havia segurança. A minha mãe rezava todos os dias e todos os dias agradecia a Salazar poder criar o seu filho fora da guerra e da política – para ela a política era a desordem. E todos estavam de acordo em que o Salazar nos tinha safado da guerra – ao contrário do Afonso Costa que eu, na altura, nem sabia quem era ou tinha sido.

A escola era a escola pública, no meu caso a 72 da Calçada da Estrela. E a escola era o Professor Romão. Nesses anos de1944 a1948 o Professor Romão teria 50 e poucos anos. Ou seja, teria nascido na década de ’90 do século XIX e teria estado em idade de ser chamado a servir o Exército em 1916 – quando se formou o C.E.P. e o enterraram nas trincheiras da Flandres. E seria homem na casa dos 30 quando Gomes da Costa desceu de Braga. O Professor Romão era um homem de aspecto severo, exigente e de poucas palavras. Não soube nunca a sua cor política, se é que a tinha. Mas todo o seu ensino cumpria com zelo – seria até entusiasmo? – o programa nacionalista do ensino primário do Estado Novo. A escola 72 ficava numa área que hoje seria chamada de pluralidade inter social, com alunos que vinham da aristocracia da vizinha Lapa até aos proletários das transversais à Calçada da Estrela, entre os quais eu. Todos recebemos a mesma atenção e, quando considerado necessário, as mesmas reguadas. Todos fizemos o temido exame da 4ª classe. Todos éramos alunos do mesmo ensino primário oficial – o Estado Novo não fechava a ninguém a porta da escola primária. E quando eu me preparava para seguir para a Escola Comercial o Professor Romão chamou a minha mãe e teve com ela uma séria conversa que desembocou num exame de admissão ao Liceu Normal de Pedro Nunes. Porque o Professor Romão tinha a certeza que o mérito era recompensado no ensino oficial e que eu nunca pagaria propinas porque teria sempre direito à sua isenção, com base na legislação do Estado Novo que assegurava ensino secundário grátis a alunos de Quadro de Honra provenientes de famílias economicamente desfavorecidas. Não desiludi o Professor Romão.

O liceu fez de mim a pessoa que fui para o resto da vida. Por influência dos professores, do reitor, da disciplina e hábitos de estudo a que me obrigou. E por influência dos colegas que ali encontrei e cuja amizade, nalguns casos, dura até hoje. Não direi os seus nomes porque alguns são gente conhecida, mas conhecida pelas suas capacidades profissionais e académicas. Os que se tentaram pela política depois de 1974 já se afastaram – o mundo de arrivistas e oportunistas que os partidos criaram não é para eles. Faço excepção da excepção: um Jorge Sampaio todo fardado com a blusa verde da MP e que depois sentiu a necessidade de se justificar – não sei se perante ele se perante outros. Mas esse ensino virado para o reconhecimento do mérito e do esforço era o ensino do Estado Novo – que produziu do melhor que houve na elite portuguesa do século XX e a partir de todas as classes sociais e não, como hoje se mente descaradamente, só com os filhos dos ricos.

Foi Salazar quem criou o Estado Novo. E com ele um país também novo onde a ascensão social era não só possível mas acarinhada pelo Estado. Estatísticas e números que hoje se começa a ter a coragem de citar provam que o período do Salazarismo foi um dos períodos de toda a vida histórica do País em que Portugal mais cresceu. Falta começar a dizer que, ao contrário da propaganda esquerdista, foi também durante o Salazarismo que Portugal teve um dos seus melhores períodos para ascensão social das classes trabalhadoras. Pela via do estudo e da recompensa ao mérito. E não pela via da sabujice partidária.    

publicado por malcomparado às 13:56

Setembro 2014
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5
6

7
8
9
10
11
12
13

14
15
16
17
19
20

21
22
23
24
25
26
27

28
29
30


subscrever feeds
arquivos
2014

2013

2012

2011

2010

2009

2008

mais sobre mim

ver perfil

seguir perfil

3 seguidores

pesquisar neste blog
 
Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

blogs SAPO